[ PEDRO LUSO DE CARVALHO ]
A Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul julgou, em 15 de março de 2012, a apelação cível
Nº 70046694634, que foi
interposta contra a sentença prolatada pelo Juiz Eduardo Furian Pontes, da Comarca
de São Gabriel, pelo Banco Americano S.A., que pleiteia a capitalização mensal
dos juros, bem como a caracterização da mora, além de pedir, no recurso: a)
a reforma da sentença, para que seja atendido o seu pedido de busca e preensão
do automóvel, objeto do respectivo financiamento, b) a revisão do contrato;
c)
a majoração dos honorários advocatícios.
A
douta Décima Quarta Câmara Cível, que teve como relator o Des. Roberto
Sbravati, negou, por unanimidade, provimento ao recurso de apelação.
Segue,
na íntegra, o colendo acórdão:
APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO CONEXA COM AÇÃO
DE BUSCA E APREENSAÃO. APLICAÇÃO DO CDC. CAPITALIZAÇÃO
DE JUROS. DA MORA.
DA APLICAÇÃO DO CDC E DOS CONTRATOS DE
ADESÃO. Relação consumerista configurada. Presença de consumidor e fornecedor;
arts. 2º e 3º da Lei 8009/90. Súmula 297, STJ. Lei protetiva aplicável ao caso
concreto.
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. A
capitalização de juros em período mensal é permitida, mas desde que conste sua
pactuação de forma expressa no instrumento contratual. Como este não é o caso
dos autos, a capitalização deve ser afastada.
DA MORA E DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. É a
constatação da existência de abusividade no período da normalidade que tem o
condão de afastar a mora do devedor. Presente a ilegalidade contratual, a mora
deve ser afastada. Por consequência, improcede o pedido de busca e apreensão do
bem.
NEGADO PROVIMENTO
AO APELO.
Apelação Cível
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Décima Quarta Câmara Cível
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Nº 70046694634
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Comarca de São Gabriel
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BANCO PANAMERICANO S/A
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APELANTE
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RUBEM DOS SANTOS FREITAS
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APELADO
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ACÓRDÃO
Vistos,
relatados e discutidos os autos.
Acordam
os Desembargadores integrantes da Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento ao apelo.
Custas
na forma da lei.
Participaram
do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Sejalmo
Sebastião de Paula Nery (Presidente e Revisor) e Des.ª Judith dos Santos
Mottecy.
Porto
Alegre, 15 de março de 2012.
DES. ROBERTO SBRAVATI,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Roberto Sbravati
(RELATOR)
Trata-se
de apelação interposta por BANCO PANAMERICANO S/A., contra sentença de parcial procedência proferida nos autos da
Ação de Revisão de Contrato ajuizada por RUBEM DOS SANTOS FREITAS e também contra a improcedência da busca e
apreensão em que litigam as mesmas partes.
A
sentença recorrida assim decidiu:
POSTO ISSO, (a) MANTENHO a medida liminar e julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os
pedidos formulados por RUBEM DOS SANTOS FREITAS contra BANCO
PANAMERICANO S.A, afim de afastar a capitalizar mensal; (b) julgo IMPROCEDENTE
a busca e apreensão interposta por BANCO PANAMERICANO S/A em desfavor de RUBEM
DOS SANTOS FREITAS.
Com relação a ação revisional, diante da sucumbência recíproca as
custas processuais devem ser proporcionais. Assim o réu arcará com 70% das
custas e o autor com o restante.
Os honorários advocatícios também devem ser proporcionais. Dessa
maneira, fixo os honorários, diante da natureza da causa, do trabalho
dispensado pelos procuradores, bem como pelo tempo de tramitação do feito, em
R$ 800,00 (oitocentos reais), que deverão ser pagos pelo réu ao procurador do
autor na quantia de 70%. O restante deve ser pago pela autora ao patrono do
réu; na forma do art. 21 do CPC. Correção monetário pelo IGPM desde a data da
propositura da ação.
Condeno o autor da ação de busca e apreensão a suportar as
custas processuais e honorários advocatícios ao patrono do réu que, diante da
natureza da causa, do trabalho dispensado pelo procurador, bem como pelo tempo
de tramitação do feito, fixo em R$ 800,00 nos termos do art. 20, § 4º, do CPC.
Admite-se compensação de honorários advocatícios (REsp
837.084/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em
16.11.2006, DJ 04.12.2006 p. 314).
Suspendo o pagamento das custas processuais e dos
honorários advocatícios por parte do autor da ação revisional em virtude do
deferimento da AJG.
Apela
o Autor nas fls. 91-102. Requer o provimento do recurso, a fim de permitir a
capitalização mensal dos juros e para declarar caracterizada a mora. Pede
também a reforma da sentença para julgar procedente a Ação de Busca e
Apreensão. Por fim, requer a majoração
dos honorários advocatícios.
Com as contra-razões (fls. 104/114), subiram os
autos a este Tribunal.
Foram observadas as disposições legais dos
artigos 549, 551 e 552, todos do CPC.
É o relatório.
VOTOS
Des. Roberto Sbravati
(RELATOR)
Em
25 de maio de 2010 as partes ajustaram contrato de financiamento com cláusula
de alienação fiduciária, referente a um automóvel modelo Mercedes Benz, placa
IGW 7181. Os juros remuneratórios foram fixados em 1,12% ao mês e 14,51% ao
ano.
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS
A capitalização dos juros em periodicidade mensal
tem suporte na Medida Provisória n. 2.170-36/2001, art. 5º, que é norma
especial em relação ao art. 591 do novo Código Civil. E, neste sentido, o
Egrégio Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento pela
legalidade da pactuação de capitalização mensal dos contratos bancários não
previstos em lei especial.
É importante frisar que a Segunda Seção do
Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o REsp n. 602.068/RS, entendeu que a
partir de 31.03.2000, data de publicação da MP n. 1.963-17, também é admissível
a referida capitalização mensal dos juros.
A Lei n. 4.595/1964 disciplina o Sistema
Financeiro Nacional e atribui ao Conselho Monetário Nacional competência
exclusiva para regular as taxas de juros praticadas pelas entidades sujeitas à
dita autoridade monetária, se entender necessário. Portanto, a temática
referente aos juros praticados no aludido Sistema Financeiro encontra regulação
por inteiro e especial naquele texto legal, prevalecendo sobre o Código Civil
que prevê, em seu artigo 591, a capitalização anual de juros, em razão do seu
caráter geral.
No que tange à Medida Provisória n. 1.963-17
(2.170-36), igualmente, por se direcionar às "operações realizadas pelas
instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional", especificidade
que a faz prevalente sobre a lei substantiva atual, que não a revogou
expressamente e não é com ela incompatível, porque é possível a coexistência
por aplicável o novo Código Civil substantivo aos contratos civis em geral
(art. 2º, parágrafo 2º, da LICC), não tratados na aludida Medida Provisória.
Portanto, a partir de 31.03.2000 foi facultado às
instituições financeiras, em contratos sem regulação em lei específica, desde
que expressamente contratado, cobrar a capitalização dos juros em
periodicidade inferior à anual, direito que não foi abolido com o advento da
Lei n. 10.406/2002.
Adotando essa tese há precedente específico da
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, o AgR-REsp
n. 714.510/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU de 22.08.2005, além de
três Recursos Especiais provenientes daquele Egrégio Tribunal, pacificando o
entendimento pela legalidade da capitalização mensal, o REsp 821357/RS, Rel.
Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 23.08.2007,
DJ 01.02.2008, o REsp 906054/RS, Rel. Ministro
Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 07.02.2008, DJ
10.03.2008 e o REsp 890460/RS, cuja ementa segue transcrita:
“CIVIL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE
FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS.
ANUALIDADE. ART. 591 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INAPLICABILIDADE. ART. 5º DA
MEDIDA PROVISÓRIA N. 1.963-17/2000 (2.170-36/2001). LEI
ESPECIAL.PREPONDERÂNCIA.
I. Não é aplicável aos contratos de mútuo
bancário a periodicidade da capitalização prevista no art. 591 do novo Código
Civil, prevalecente a regra especial do art. 5º, caput, da Medida Provisória n.
1.963-17/2000 (2.170-36/2001), que admite a incidência mensal.
II. Recurso especial conhecido e provido.”
(REsp 890460/RS, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma,
julgado em 18.12.2007, DJ 18.02.2008)
E, no que tange à Súmula 121 do STF, esta foi
sepultada e sequer é citada nos precedentes acima colacionados.
Assim, seguindo a orientação do Superior Tribunal
de Justiça, entendo que a capitalização de juros em período mensal é permitida,
mas desde que conste sua pactuação de forma expressa no instrumento contratual.
Como este não é o caso dos autos, a capitalização deve ser afastada, pois
apenas assim o direito de informação prescrito pelo Código de Defesa do
Consumidor, em seu art. 6º, inciso III estará preservado.
DA MORA E DA AÇÃO DE BUSCA
E APREENSÃO
Entende-se, na esteira do acórdão paradigmático
(RESP 1.061.530/RS), que o ajuizamento isolado de ação revisional não
descaracteriza a mora. Tal faz sentido, decerto, mormente porquanto a demanda
pode vir sem qualquer substrato jurídico consistente, por primeiro, ou em face
de situações em que o inadimplemento faz-se presente desde o começo da
contratação e já advém a ação revisional que, em casos como este, não denota um
agir de boa-fé por parte do consumidor.
Ademais, sustenta-se que o reconhecimento da
abusividade sobre os encargos incidentes para o período de inadimplência
contratual tampouco arreda a mora solvendi, uma vez que já se verificou
o inadimplemento.
Apenas descaracterizaria a mora o reconhecimento
da abusividade em relação aos encargos cobrados no período da normalidade
contratual – i.é., juros remuneratórios acima da taxa média estipulada pelo
BACEN para o período da contratação, bem como a ilegalidade na cobrança da
capitalização. Quando, no período da normalidade, o credor está a exigir do
devedor mais do que o correto, mais do que o devido, a mora não resta
configurada. É a constatação da existência de abusividade no período da
normalidade contratual que tem o condão de afastar a mora do devedor.
Tudo na esteira do acórdão paradigma acima
referido (voto da relatora, p. 22):
“(...) o eventual abuso em algum dos encargos
moratórios não descaracteriza a mora. Esse abuso deve ser extirpado ou decotado
sem que haja interferência ou reflexo na caracterização da mora em que o consumidor
tenha eventualmente incidido, pois a configuração dessa é condição para
incidência dos encargos relativos ao período da inadimplência, e não o
contrário. - Os encargos abusivos que possuem potencial para descaracterizar a
mora são, portanto, aqueles relativos ao chamado “período da normalidade”, ou
seja, aqueles encargos que naturalmente incidem antes mesmo de configurada a
mora”.
Como acréscimo, decisão do STJ que confirma a
orientação acima:
(...) A
descaracterização da mora em face da exigência de encargos abusivos no
contrato, conquanto seja pacificamente admitida pela jurisprudência do STJ
(EResp nº 163.884/RS, 2ª Seção, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de
24.09.2001), deve ser analisada com base nos encargos contratuais do chamado 'período da normalidade', ou seja, em relação à taxa de juros
remuneratórios e à capitalização de juros.
(EEDD no AgRg no
RESP 842.973/RS, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 21/08/08).
No mesmo tom, e para agregar, este colegiado:
“(...) Impende destacar que somente a exigência de encargos
remuneratórios ilegais descaracteriza a mora do devedor, que não é afastada,
portanto, diante da cobrança de encargos ilegais de caráter moratório,
porquanto estes apenas se tornam exigíveis quando já presente o atraso no
pagamento” (AC 70036636033, relatora. Desa. Kátia Elenise Oliveira da
Silva, j. 27 de agosto do corrente)
No caso em tela, consoante as diretrizes supra,
verifico presente as ilegalidades contratuais na ausência de pactuação expressa
da capitalização de juros, o que enseja o afastamento da mora do devedor e, por
consequência, improcede o pedido de busca e apreensão do bem.
Embora a notificação tenha se implementado
conforme as determinações legais, a mora é afastada por fundamento diverso,
qual seja, abusividade em virtude de não constar no contrato previsão expressa
para cobrança de capitalização dos juros.
Pelo exposto, nego provimento
ao apelo.
É o voto.
Des. Sejalmo Sebastião de Paula Nery (PRESIDENTE E
REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des.ª Judith dos Santos Mottecy - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. SEJALMO SEBASTIÃO DE PAULA NERY - Presidente - Apelação Cível nº 70046694634,
Comarca de São Gabriel: "NEGARAM
PROVIMENTO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º
Grau: EDUARDO FURIAN PONTES
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