19 de mar. de 2012

COUTURE - 2º Mandamento do Advogado



            
                      por Pedro Luso de Carvalho


         Sempre que abordamos certos assuntos relacionados com a prática processual, não temos a pretensão de ensinar, quer aos novos advogados, quer aos que têm no seu currículo uma larga vivência de vida forense; nossa intenção é de pura e simplesmente lembrar, para quem possa ter esquecido, certos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência, que podem ser úteis para o exercício da advocacia. E, se esse objetivo for atingido com a matéria aqui abordada, sentiremos que tempo que dedicamos a essa tarefa não foi gasto em vão.

        Todos nós que militamos na advocacia sabemos que nunca é demais estarmos atentos à edição de novas leis e de sabermos como essas normas jurídicas estão sendo interpretadas pelos nossos tribunais. Daí a necessidade de dedicarmos no nosso dia-a-dia um pouco de tempo para tudo que esteja ligado às novidades legislativas, jurisprudenciais e doutrinárias. E, se esse tempo der espaço, poderemos também pensar o direito, que no dizer do jurista uruguaio, Eduardo Couture “o direito se aprende estudando; porém, se pratica pensando”.

        A propósito, escolhemos da obra Os Mandamentos do Advogado, de Eduardo Couture, para esta publicação, o seu o 2º Mandamento, que trata do estudo do direito e da necessidade de pensar o direito para sua prática. Pensar é o título que Couture dá a esse mandamento, que, por certo, deverá ajudar de alguma forma tanto aos novos como aos experientes advogados. Vejamos, pois, o que diz o jurista:

       “O processo escrito é um livro cujas principais páginas foram pensadas e escritas cuidadosamente pelos advogados. Estes, como os ensaístas, historiadores e filósofos, são os mediadores necessários entre a vida e o livro. O mesmo ocorre, porém com maior destaque teatral, no processo oral.

        O advogado recebe a confidência profissional como um caso de angústia humana, e o transforma em uma exposição tão lúcida quanto seu pensamento o permite. A afirmação de Sperl de que a petição inicial é o projeto da sentença que pretende o autor, diz-nos com eloqüência que intensos processos mentais devem ocorrer para transformar a angústia em lógica, e a paixão dos interesses num simples silogismo.

        Quando o advogado desenvolve com eficiência seu trabalho, e o juiz recebe o caso, por assim dizer, peptonizado (vem do subst. peptona = proteína solúvel em água e ácido). Normalmente, a função do juiz consiste em escolher uma das soluções que lhe são propostas, ou encontrar uma terceira ainda melhor. O advogado transforma a vida em lógica, e o juiz transforma a lógica em justiça. Por isso, o dia de glória para o advogado não é o dia em que conhece a sentença definitiva que lhe deu ganho de causa. Afinal, nesse dia não aconteceu nada de importante. Apenas cumpriu-se a sua previsão. Seu grande dia, o da grande responsabilidade, foi aquele dia longínquo e muitas vezes esquecido, em que, após escutar um relato humano, decidiu aceitar a causa. Nesse dia, tinha a liberdade para dizer sim ou não. Dizendo sim, desde então, o futuro ficou determinado para ele.

       O grave no pensamento do advogado é que, nessa obra de transformação do drama humano em memoriais e gestos, tanto quanto a inteligência, operam o intuição e a experiência. Não é o raciocino, diz o filósofo, que determina ao escultor aprofundar um pouco mais as curvas dos quadris. Entre seus olhos, fixos no modelo, e seus dedos que acariciam a estátua, se estabelece uma relação direta. O pensamento do advogado não é raciocínio puro, já que o direito não é pura lógica: seu pensamento é, ao mesmo tempo, inteligência, intuição, sensibilidade e ação. A lógica do direito não é uma lógica formal, mas uma lógica viva, feita com todas as substâncias da experiência humana.

        Certo juiz, num arroubo de sinceridade, disse que a jurisprudência é feita pelos advogados. E realmente assim é, porque, na formação da jurisprudência, e, com ela, do direito, o pensamento do juiz é, normalmente, um ‘posterius; o prius corresponde ao pensamento do advogado”.



REFERÊNCIA:
COUTURE, Eduardo. Os Mandamentos do Advogado. Trad. de Ovídio A. Baptista da Silva e Carlos Otávio Athyde. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1979.



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